A defesa do poeta
Senhores jurados sou um poeta
um multipétalo uivo um defeito
e ando com uma camisa de vento
ao contrário do esqueleto
Sou um vestíbulo do impossível um lápis
de armazenado espanto e por fim
com a paciência dos versos
espero viver dentro de mim
Sou em código o azul de todos
(curtido couro de cicatrizes)
uma avaria cantante
na maquineta dos fel...izes
Senhores banqueiros sois a cidade
o vosso enfarte serei
não há cidade sem o parque
do sono que vos roubei
Senhores professores que pusestes
a prémio minha rara edição
de raptar-me em crianças que salvo
do incêndio da vossa lição
Senhores tiranos que do baralho
de em pó volverdes sois os reis
sou um poeta jogo-me aos dados
ganho as paisagens que não vereis
Senhores heróis até aos dentes
puro exercício de ninguém
minha cobardia é esperar-vos
umas estrofes mais além
Senhores três quatro cinco e sete
que medo vos pôs por ordem?
que pavor fechou o leque
da vossa diferença enquanto homem?
Senhores juízes que não molhais
a pena na tinta da natureza
não apedrejeis meu pássaro
sem que ele cante em minha defesa
Sou um instantâneo das coisas
apanhadas em delito de perdão
a raiz quadrada da flor
que espalmais em apertos de mão
Sou uma impudência a mesa posta
de um verso onde se possa escrever:
Ó subalimentados do sonho,
a poesia é para comer !
_________
*Natália Correia, poeta açoreano/portuguesa.
** poema enviado pelo amigo, poeta e artista plástico Rômulo Pinto Andrade - Brasília, DF :
"Ouvi Natália Correia na casa de Amália Rodrigues declamando esse poema num sarau em Lisboa com o amigo Vinícius de Moraes, 1968. Soberba."
http://pintoandrade.multiply.com
*** imagem : Natália Correia - Parque dos Poetas - Oeiras, Portugal.
*** imagem : Natália Correia - Parque dos Poetas - Oeiras, Portugal.
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